Neste episódio temos a continuação, a finalização, a conclusãaaao - da exploração das reações químicas que alteraram - ou pelo menos largamente influenciaram o curso da humanidade. Conteúdo familiar. Conteúdo pertinente *demorou, mas demorou menos que o Cavani*
Que posso dizer? O mundo está um lugar caótico. Mas em frente é o caminho, e aqui vamos nós, adequadamente, falar de pólvora.
Eu sei. *As armas não têm pólvora*? Que posso fazer eu? grande parte da história assenta em determinar quem tem a maior e mais assustadora maneira de mater alguém. E… bem, a pólvora mudou isso para sempre.
Pólvora
Todos já fomos expostos de uma forma ou de outra expostos à lenda e mística que rodeia a invenção da “pólvora-negra” (por contraste à pólvora-seca, que tem uma tendência a fazer menos fumeiro). A lengalenga costuma seguir sempre aproximadamente os mesmos moldes - “blah blah alquimista chinês blah, morreu por auto-explosão”. Ora… não sabemos se morreu ou não, nem temos bem a certeza qual dos variadíssimos alquimistas chineses devemos creditar com divinar o primeiro explosivo inventado pelo ser humano - enquanto perseguia a fórmula do elixir da vida. Sabemos, porém, que as primeiras referências históricas a esta substância surgem por volta do século nono (ano Domini) na China imperial (dinastia Tang, já agora, para os historiadores por aí).
Os relatos mais primordiais destas aventuras alquímicas sugerem uma combinação de enxofre, rosalgar (sim, ROSALGAR. Vox Modum: ciência e palavras novas) e salitre com mel.
30 segundos de informação: Rosalgar é um composto de sulfureto de arsénio. A composição química é AsS. *Vá, sejam crescidos*. É associado a outros minerais de arsénico-antimónio.
É este o momento em que devo dizer que por vezes, a ciência tem momentos absolutamente maravilhosos. Para descobrir a pólvora, de forma muito literal, foram usados elementos carcinogénicos, sais raros, etc…. E bem, aquele poucochinho de mel de abelha - porque vá - para não arranhar a garganta (e sim, mel de abelha, porque para facto do dia, as Vespas também produzem mel).
Efetivamente, como reza a lenda, textos Taoístas apontam que a pólvora foi descoberta como subproduto de uma procura intensa do elixir da vida, e que as primeiras experiências correram menos-que-bem.
Mas, Pedro, AAAAH, porque é que isto tudo importa? Bem, a pólvora-negra foi o primeiro numa lista crescente de compostos explosivos (ou incendiários, mediante a composição química de como é produzida). E, mesmo que excluamos o simples facto que o ser humano ter um primitivo e intrínseco fascínio por tudo o que arde e explode (possivelmente explicado por ligações primárias ao conceito do fogo ou às noções platónicas e mesmo biológicas de poder e força intimamente conectados com sons graves e fortes - a razão pela qual alguns animais evoluíram o rugido como método de intimidação), temos sempre que considerar os fatores do equilíbrio entre a cooperação e a competição na espécie humana.
Antes de mais - e não se esqueçam de subscrever no YouTube porque o primeiro episódio de uma nova série nessa plataforma vai focar neste tópico - o ser humano, e todas as outras espécies vivas e extintas evoluem, também, assentes nos princípios de interação entre a cooperação e a competição. E a pólvora fomentou-se como um salto fundamental na capacidade competitiva humana.
Como humanos nós queremos SEMPRE ganhar. Queremos sobreviver, prosperar e garantir a prosperidade da geração seguinte (e não me interpretem mal como cáustico defensor do status quo, queremos a prosperidade da NOSSA geração seguinte). E, na natureza, muitas vezes isso envolve o conceito que, como seres cientes, interpretamos como vencer.
Por outro lado, e eu sei que possivelmente esperavam uma análise preto-química da pólvora, esta descoberta também se revelou crucial no aspeto cooperativo humano. E como aprendi tendo cursado História das Ideias de Ciência, mais importante que as fórmulas são os impactos que as descobertas causam no mundo.
Como portugueses tendemos a acreditar que o “Ano Zero da Globalização” é 1415, ano no qual os Reis de Portugal tomaram de saque a praça de Ceuta lançando uma era de descobertas e - vá, atos hediondos - que encurtaram as distâncias que separavam o mundo substancialmente. Contudo, milénios antes, pelas extensões da estepe da Ásia Central, floresceu uma rede de rotas intitulada de “Rota da Seda”. E foi por esta rota, estabelecida, na sua extensão máxima, entre o Japão e as ilhas no estreito de Malaca e as cidades-estado de Itália, que a pólvora viajou desde a China onde foi criada até à europa.
Desnecessário é afirmar que os avanços em armamento trazidos por esta descoberta, e, também, pelos avanços realizados na Europa, que envolvem o aprimorar da fórmula exata em partes:peso e também a introdução de componentes líquidos no processo de manufação, são de tal forma influentes que coincidem agradavelmente, com a queda de Constantinopla, em 1453, marcando assim a queda da última peça do império Romano do Oriente e a prosperidade financeira e militar que grassou em Itália e lançou a Renascença.
Ainda que todas as peças estivessem dispostas para o término do final da Idade Média, a pólvora, e os avanços europeus na sua transformação de incendiário para explosivo (sobretudo o algodão-pólvora) tornou-se crucial no expansionismo militar e ideológico que pautaria os séculos seguintes. Talvez de nenhuma forma tal se tornou tão evidente como quando, quatro séculos mais tarde, uma força inferior em números de soldados britânicos foi capaz de subjugar o império Chinês devido aos avanços tecnológicos desproporcionais ocorridos em armamento. A pólvora, descoberta por acidente, na China, encontraria um período fértil de renovação científica e de pensamento numa Europa em paz mas com necessidade de recursos, usando essa descoberta como principal arma - literalmente - para subjugar o mundo nos séculos seguintes.
A saga da pólvora é uma de dualidades. Por um lado, mudou a arte de matar para sempre, causando sofrimento a milhões. Por outro, exaltou o espírito humano levando-o a perseguir usos nobres, belos e até artísticos para algo que é, essencialmente, um explosivo.
Foi ao mesmo tempo uma prova de cooperação e transmissão de conhecimento entre culturas - se bem que possivelmente obtido contra a vontade da China aquando das invasões mongóis - e foi também o instrumento da queda de civilizações. Como todas as grandes descobertas científicas, sobretudo aquelas que podem mudar o mundo, a pólvora recorda-nos sobre os temas éticos que rodeiam a ciência.
A ciência como destilação processual da necessidade humana de compreender o mundo que a rodeia, nunca poderá ser certa ou errada. Moralmente, a ciência, e o seu método, são destilações puras e não objetos de julgamento moral.
Contudo, descobertas como a pólvora, a energia atómica, a manipulação genética, forçam-nos a considerar a ciência não como o ato puro de obtenção de conhecimento que por vezes a queremos considerar mas como uma ferramenta que exerce quantidades extraordinárias de poder no mundo que vivemos.
O mundo muda, a ideologia que nos rege cresce e adapta-se, e tem também de o fazer a visão sobre a Ciência. Só enfrentando e respondendo a importantes perguntas sobre quais limites - se existem alguns - tem a procura de algo novo, podemos evitar o hipotético filtro que erradica civilizações segundo o Paradoxo de Fermi.
Mas essa conversa é para outro dia.
Até lá, deixo-vos com as palavras de Oppenheimer, quando testemunhou o uso da Bomba Atómica. Citando os Vedas, disse:
“Tornei-me a morte, o destruidor de Mundos”.
Processo de Czochralski (processadores)
Por vezes as melhores reflexões cientificas partem das perguntas mais - aparentemente - aleatórias.
O que é que os Neandertais têm a ver com o telemóvel que está no teu bolso, por exemplo?
Creio que todos nos perguntaríamos o mesmo. Contudo, assim correu a questão que motiva o começo da exploração do Processo de Czochralski. Tudo indica que, para efeitos práticos, a espécie humana cujo córtex cerebral é mais desenvolvido - e, por consequência - mais inteligente, é o Homo sapiens (o segundo sapiens é relativamente irrelevante neste aspeto e mais uma questão de acídia que outra coisa. Nós pessoas tendemos a achar-nos *OH* especiais). Contudo, estudos anatómicos e médicos a restos mortais de Homo neandertalensis (ou o “Homem Neandertal”), revelam um volume cerebral total médio superior ao do Homo sapiens.
E foi aí que ouvi uma questão extraordinária: e fica aqui o shoutout, perdoem o anglicismo, à pessoa que me colocou esta questão. Se ainda não subscreveram o podcast ou o canal do YouTube, façam-no, para acesso a mais perguntas iluminadas como esta.
“Mas e os cérebros das pessoas não evoluíram? Os computadores, por exemplo, eram ENORMES há uns anos atrás e eram muito mais lentos”.
Por momentos nem fiz a conexão, mas realmente! Os computadores ERAM enormes e mais lentos. Mas a diferença principal prende-se com o conceito de densidade. Não a densidade de informação ou necessariamente a densidade física do material cerebral, mas a densidade de neurónios por volume. Tanto quanto sabemos, o cérebro sapiens evoluiu para ser extremamente denso e utilizar todo o espaço dentro do crânio - daí as “rugas” que percorrem o cérebro, contudo, as dimensões e densidade dos neurónios de um sapiens e de um neandertal eram semelhantes.
Como tal, a pergunta “seria o Neandertal mais capaz - cerebralmente - que o sapiens?” Não irá ser satisfeita hoje.
Contudo, temos aqui a base para a discussão do processo - da reação química - inclusive, que permitiu a miniaturização: ou o aumento da DENSIDADE dos “neurónios” dos computadores - as portas lógicas - que nos trouxeram aos dias de hoje.
O processo atualmente utilizado para a produção de microprocessadores foi inicialmente descoberto - acidentalmente - pelo cientista Polaco Jan Czochralski. Ao mergulhar a ponta da sua caneta de aparo numa tina de estanho fundido (pontos extra para quem entendeu a piada), verificou que um único filamento deste metal se formava. A análise posterior provou que se tratava de um único cristal - uma estrutura cristalina individual.
*AAAAH, isto não era sobre computadores*? É! A sério.
Como todos já ouvimos dizer, pelo menos em passagem, os computadores funcionam num sistema de compreensão substancialmente diferente dos seres humanos. No nível mais fundamental, os computadores, e, por sinal, os seus cérebros, os microprocessadores, entendem zeros e uns. A isto chama-se código binário e tem uma propriedade interessante: lida com apenas dois valores: sim e não, verdadeiro e falso, 0 e 1. Como tal, e como a vantagem de um processador ser a capacidade de realizar tarefas simples extraordinariamente depressa, os computadores modernos funcionam, na sua base, por um sistema de portas lógicas.
Para os amigos da lógica booliana, na qual muita da programação moderna é assente, os próprios processadores lidam com “verdadeiro” e “falso”. Contudo, fazem-no com eletricidade.
Aquilo que o milagroso processo do rapaz esperto Czochralski permitiu foi o começo da produção de semi-condutores. De uma forma muito simples, um semi-condutor é um material com propriedades de condução elétrica muito particulares. Contém, numa única estrutura cristalina, um “pólo” positivo e um negativo. A química associada é ligeiramente mais complexa que um íman de frigorífico, mas a ideia é essa. Os supercondutores permitem a criação de Transistores - a base da computação.
Este processo permitiu que, com complexos processos químicos de manipulação da pureza de uma substância de átomos de silício, se obtenham essas portas lógicas que podem ser estimuladas por eletricidade produzindo valores positivos e negativos. Tudo o que experimentamos na era digital, dos likes, às fotos, aos TikTok’s desse mundo assenta na nossa capacidade de transformar uma areia extremamente pura em interruptores sofisticados.
A diferença principal à nossa analogia cerebral passa pelo facto de - com as décadas - temos sido capazes de diminuir, aumentando a precisão dos nossos processos, as dimensões de cada um desses transistores, cada um desses neurónios nos cérebros dos nossos gadgets.
Inicialmente conseguimos produzir transistores tão grandes e rudimentares que podiam ser vistos a olho nu. Em 2020, o fabricante de semicondutores TSMC (Taiwan SemiConductors) prepara-se para anunciar um “processo” - processo é o nome dado à base onde são construídas as “arquiteturas dos computadores” (eu sei, a área da ciência dos computadores, como o primo bebé, tem muitos nomes roubados), que mede apenas 5 nm. 5 nanómetros, uma escala 1 bilião de vezes inferior ao metro, é milhões de vezes mais pequeno que um cabelo humano.
Da próxima vez que pegares no telemóvel, ou quando terminares de absorver este episódio, pensa que todo o mundo digital - bem… *TODO o mundo*, está assente num processo descoberto ao acaso que nos permite fazer interruptores de luz mais pequenos que bactérias.
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